sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Quinta do Bill é a banda portuguesa do Festival da Lusofonia

A antecipar a ida da banda a Macau, foi publicado na última edição de Setembro do Ponto Final uma entrevista de Luciana Leitão a Carlos Moisés.


Começaram a ensaiar na quinta do Guilherme (Bill, em inglês) perto de Tomar e, mais de 20 anos depois, vão estar em Macau para actuar no Festival da Lusofonia. Com concerto agendado para 24 de Outubro, o vocalista dos Quinta do Bill, Carlos Moisés, fala ao PONTO FINAL sobre as músicas do novo álbum que se ouvirão pela primeira vez no território e desmente os rumores de que a sua banda possa estar a atravessar uma crise.

- Como é que tudo começou?
Carlos Moisés – Conhecemo-nos na escola da música. Estávamos a aprender jazz e foi aí que conheci o Paulo Bizarro – que ainda faz parte da banda – e o Rui Dias. Tinha umas canções e era altura de convidar uns amigos para ver se dava alguma coisa. Através de uma formação um bocadinho mais clássica, trabalhámos aquelas ideias. Andámos muito tempo na clandestinidade, com muita paixão, mas fomos durante muito tempo completamente desconhecidos.
- Tiveram mais exposição depois do concurso Aqui del’Rock…
C.M. – Sim, o primeiro prémio garantia a gravação de um disco. Aparece então o ‘Sem Rumo’, que passou relativamente despercebido. Mas só, posteriormente, em 1994, quando assinámos com a Polygram e lançámos o ‘Filhos da Nação’ é que a coisa estourou. Foi um êxito enorme.
- Na década de 90, foi-se notando uma mudança no som dos Quinta do Bill, ocorrendo uma aproximação ao folk e à música tradicional. É esse o som que mais vos define?
C.M. – No início era pop com alguma influência de jazz. Anteriormente, já tinha passado por um projecto de música tradicional portuguesa. De certa forma senti necessidade de apostar nessas influências e raízes. Gradualmente tornámo-nos um grupo de pop e soul, misturado com aquela linha tradicional.
- Quando se fala nos Quinta do Bill, é impossível não pensar em ‘Os Filhos da Nação’. Não teme ficar sempre associado a essa canção?
C.M. – Depois destes anos e de tantas tournées, é engraçado porque começa a ser uma canção transversal. Já vai na terceira geração. Começou com os mais novos que, entretanto, já tiveram filhos. E constatamos isso nos concertos. Por mais que a toquemos, é impressionante porque o público vibra de uma maneira muito forte. É uma canção que continua no imaginário de toda a gente, mesmo depois de ter sido utilizada como hino de um clube de futebol [o Futebol Clube do Porto]. Tivemos receio de que podíamos sair lesados dessa associação, mas tocamos a canção original e as pessoas continuam a vibrar. Não sentimos que a canção esteja gasta
.- Em 1996, o grupo assume a gerência dos seus concertos. Foi, de alguma forma, reflexo de um descontentamento com agências?
C.M. – Sentimos que havia coisas que podiam ser feitas e não eram, porque as agências tinham muitos projectos e não dedicavam o tempo necessário. Sentimos que tínhamos potencial. Neste momento, voltámos à agência onde começámos por variadas razões, mas estivemos, durante uma série de anos, a gerir o nosso destino.
- Estar dependente de uma agência pode atrofiar um músico em Portugal?
C.M. – O problema de se ser músico em Portugal não passa tanto por aí, passa mais por um problema de fundo, quase genético. Os portugueses sempre tiveram muita necessidade de fugir e descobrir novos destinos. Ao mesmo tempo foram perdendo uma certa auto-estima e isso nota-se no dia-a-dia. Os agentes e quem trabalha no mundo do espectáculo têm um fascínio por tudo o que vem de fora de Portugal. Muitas vezes, isso faz com que, em termos de organização e impulso, as coisas não aconteçam porque não se acredita a fundo. O músico acha que não é suficientemente reconhecido pelo seu trabalho e é confrontado com cachets que são completamente ridículos. Isso continua a ser um problema em Portugal e reflecte-se nos próprios média. Em Portugal, é quase caridade apostar no produto nacional.
- Ao longo destes 22 anos de actuação dos Quinta do Bill, conseguiu dedicar-se exclusivamente à música ou teve de manter outra ocupação para sobreviver?
C.M. – Dava aulas de música mas a partir do momento em que percebi que aquilo podia ser profissional – com o êxito dos ‘Filhos da Nação’ – enveredei por esta carreira até hoje. Provavelmente, porque tudo isto é um pouco efémero, voltarei a dar aulas, mas por enquanto ainda vou conseguindo sobreviver nesta profissão. Os outros elementos da banda vão tendo profissões paralelas. O baixista tem uma loja de roupa, o acordeonista tem uma livraria, o baterista e a violinista dão aulas.
- Vieram a integrar os Corvos cuja sonoridade nada tem a ver com a dos Quinta do Bill. Como surge essa relação?
C.M. – Quando o projecto Corvos apareceu, já nos conhecíamos. Eram músicos que regularmente trabalhavam connosco nas gravações dos discos e nos espectáculos. O nosso violinista integrava esse projecto e, durante muito tempo, tivemos uma relação de partilha, mas são dois projectos separados. Surge talvez da minha grande relação com a música clássica e, desde os ‘Filhos da Nação’, que há uma série de canções já com cordas. De certa forma tenho algum prazer em fazer arranjos para cordas e, entre uma canção ou outra, acaba por ser transversal a todos os discos. Tem a ver com o meu gosto por violinos, violoncelos e contrabaixos.
- Fazendo um balanço da formação musical, quais foram os momentos mais marcantes?
C.M. – Costumo dizer que os espectáculos, mesmo os mais pequenos, podem ser únicos. Podem salientar-se por uma causa ou por uma dada plateia. No primeiro caso, saliento o concerto pelo Kosovo, em Lisboa, por ter mobilizado muita gente. Depois, no que toca à plateia, destacaria a primeira parte do Bryan Adams e todas as vezes que vamos às semanas académicas de Coimbra. E depois há aqueles pequenos concertos por alguém que conhecemos ou por ter uma organização particularmente interessante. Quase dava para escrever um livro.
- O último álbum remonta a 2006 e têm andado meio desaparecidos do panorama musical português. Pode dizer-se que os Quinta do Bill vivem um momento de crise?
C.M. – Não, nada disso. É natural que as pessoas pensem isso, apesar de não termos ficado nenhum ano sem tournées. Nunca parámos. Deixámos de aparecer um pouco [nos meios de comunicação social]. Provavelmente voltaremos à carga brevemente, porque estamos a terminar o novo disco. Em Macau, vamos mostrar algumas canções novas.
- O que se pode esperar deste novo disco?
C.M. – Continua a ser na linha do Quinta do Bill. Talvez a maioria das canções estejam mais voltadas para o pop. Não tanto para o folk, mas há canções que são tipicamente nessa linha. São viagens que fazemos ao nível musical e de textos. Mais uma vez convidámos uma série – além do nosso escriba habitual e residente, João Portela – de amigos para escrever letras, nomeadamente o José Luís Peixoto e Miguel Castro. É uma relação que temos desde o último disco e que achamos muito interessante.
- Como surge o convite para vir a Macau?
C.M. – Foi um contacto de alguém que já trabalhou várias vezes aí e que é um excelente músico, o José Salgueiro. A iniciativa vem dele.
- No Festival da Lusofonia vão tocar algumas músicas do álbum novo. Será, por isso, uma estreia absoluta?
C.M. – Sim, vai ser uma estreia. Claro que vamos também revisitar as músicas antigas mais conhecidas.
- É a primeira vez na Ásia?
C.M. – É. Estou particularmente ansioso, porque é a primeira vez que vou à Ásia. Já conheço a América, África, Europa, falta a Ásia e a Oceânia.

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